terça-feira, 16 de janeiro de 2018

GRANDES DOUTRINAS DA FÉ CRISTÃ REFORMADA (4/5) ~ JOEL BEEKE




GRANDES DOUTRINAS DA FÉ CRISTÃ REFORMADA
[PARTE 4/5 - 31 À 45]
A DOUTRINA DA ELEIÇÃO
SÉRIE [57 ESTUDOS]
Rev. Joel Beeke
[Projeto Os Puritanos]

31/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — A ELEIÇÃO
A eleição é o decreto de Deus, da Sua própria livre vontade, pelo qual Ele predestinou alguns seres humanos para a salvação, para o louvor da glória do Seu nome (Efésios 1:4-6; 1 Tessalonicenses 5:9). Longe de ser uma doutrina tangencial, a eleição é fio dourado que percorre todo o sistema Cristão. Além disso, a eleição é amigável aos pecadores, e, portanto, uma doutrina muito abençoada.

A eleição é a escolha positiva de Deus, pela Sua soberania absoluta e graça majestosa, para amar e salvar algumas pessoas (Romanos 9:13-26; 1 Tessalonicenses 5:9). A eleição de Deus não é, de forma alguma, universal ou geral, pois Deus não ordenou que toda a humanidade fosse reconciliada com Ele. Ao invés disso, aqueles a quem Ele conheceu de antemão, Ele predestinou (Romanos 8:29). Aqui, o termo “conheceu de antemão” é usado no sentido de escolher as pessoas (1 Pedro 1:2; cf. Romanos 11:2). Como muitos atribuíram erroneamente o conhecimento divino da futura fé do homem como a causa do decreto de Deus, é essencial notar que a sábia presciência de Deus é tanto livre quanto logicamente (em contraste com temporalmente) subordinada à Sua ordenação intencional. Antes da fundação do mundo, Deus destacou e designou algumas pessoas para a salvação (2 Tessalonicenses 2:13). Ele não designou aqueles a quem Ele soube de antemão que iriam ser conformados a Cristo; ao invés disto, aqueles a quem Ele conheceu de antemão (ou “escolheu favoravelmente”), Ele predestinou para serem conformados à Sua própria imagem.

Jesus Cristo é o pleno fundamento da eleição. Cristo foi chamado por Seu Pai, desde toda a eternidade, para realizar a obra da salvação do Seu povo (Hebreus 5:5; 7:22; 13:20). Na eleição para realizar a obra da salvação, Cristo não está subordinado ao Pai, no que diz respeito ao decreto em si mesmo, uma vez que Ele decretou todas as coisas com o Pai (João 15:16); ao invés disso, Ele se tornou subordinado em sua execução, através da Sua servidão e humilhação (1 Pedro 1:20).

A eleição não pode nunca ser separada de Cristo, pois o eleito possui esta condição (ou “status”) apenas em Cristo. Além disso, a eleição é tão proximamente ligada a Cristo que, para se compreender a verdadeira da própria eleição, é preciso olhar para o ordenamento do Mediador (Isaías 42:1; Hebreus 9:15). Esta é a causa pela qual qualquer um que está se esforçando para compreender esta doutrina, precisa ser trazido para olhar a eleição particularmente em Cristo, pois Nele estão todos aqueles que são escolhidos de Deus (Efésios 1:4). O crente é escolhido em Cristo, como a Sua própria herança (Deuteronômio 32:9; Salmos 2:8; Hebreus 12:2; cf. João 6:39; 17:16; Efésios 1:11; 1 Pedro 2:6,9).

O pacto da graça é o meio da eleição. Ele é o contrato de Deus com o Seu povo, em Cristo, com respeito à vida eterna. Neste pacto, Deus promete Cristo gratuitamente para o Seu povo, que recebem os benefícios de Cristo, mediante arrependimento e fé (Ezequiel 36:25-27; Oséias 2:18-20; Malaquias 3:1).

Os graus de execução são o trabalho da eleição na vida do crente. Estes são os passos pelos quais Deus coloca em ação o Seu amor eterno (cf. Atos 13:48). Para aqueles a quem Deus elegeu para herdarem a vida eterna, Ele também designou os meios subordinados pelo quais, em etapas, eles vão alcançar o seu fim ordenado (Efésios 1:4-5; 2 Tessalonicenses 2:13; cf. João 6:37; Efésios 2:8-9). Sem estas etapas, através das quais Deus coloca em ação o Seu amor eterno, a salvação seria impossível de ser obtida Romanos 8:29-30). Em termos gerais, estas etapas são conhecidas como “vocação eficaz”, “regeneração”, “justificação”, “santificação”, e “glorificação”. Portanto, a salvação que funciona experiencialmente na alma do crente, é inseparável da eleição soberana em Cristo.


Tristemente, algumas pessoas veem a eleição como uma “pedra de tropeço” para virem à Cristo, por fé. Infelizmente, a preocupação primária delas não é “Será que eu tenho a Cristo?”, mas sim “Será que eu sou um eleito?”. Baseadas nesta perspectiva distorcida, tais pessoas têm visto a eleição através de lentes complicadas. É preciso reconhecer que a eleição é impossível de se verificar à parte do receber da salvação, por fé, sobre os quais, conjuntamente com as obras resultantes, a eleição é tornada segura (cf. 2 Pedro 1:10). Além disso, como Cristo declara para todos os pecadores, “Arrependa-se e creia, e serás salvo”, a questão não é o “status” de alguém, pois todos são pecadores. “pecadores sedentos” (Isaías 55:1); “pecadores dispostos” (Apocalipse 22:17); “pecadores sobrecarregados” (Mateus 11:28); “pecadores adúlteros” (Jeremias 3:1); “pecadores perdidos” (Lucas 19:10); e, sim, até mesmo o “principal dos pecadores” (1 Timóteo 1:15). Para todos o Senhor declara, “A vós outros, ó homens, clamo; e a minha voz se dirige aos filhos dos homens” (Provérbios 8:4). Portanto, como a vontade do Senhor é que nenhum pereça, mas que todos venham ao arrependimento, “arrependei-vos e crede no evangelho” (Marcos 1:15).

32/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — OS USOS DA LEI MORAL
A lei é a vontade revelada de Deus para a vida de anjos no céu, e de humanos na terra. Desta forma, ela é chamada de lei moral. Três grandes resumos da lei moral foram concedidos na história. Primeiro, Deus encarregou Adão e Eva: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a”, adicionando, “De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 1:28; 2:16-17).

Deus concedeu o segundo resumo a Moisés, no Sinai, através dos Dez Mandamentos, escrevendo-os com o Seu próprio dedo em tábuas de pedra (Êxodo 31:18; 32:16). Este resumo é relatado em Êxodo 20 e Deuteronômio 5. Todo o corpo da legislação Mosaica, incluindo os direcionamentos para o culto e adoração, conhecidos como lei cerimonial, e as várias leis civis dadas a Israel “como um corpo político” (Confissão de Fé de Westminster, capítulo 19, parágrafos 3 e 4), é apenas o desenrolar destas “dez palavras”, como elas são denominadas em Hebraico.

Finalmente, em terceiro lugar, o Senhor Jesus Cristo, desafiado a identificar o grande mandamento da lei, reduziu tudo a apenas dois mandamentos: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mateus 22:36-40).

Sob o evangelho, a lei cerimonial foi revogada, e a lei civil expirou. Contudo, a lei moral – escrita no coração humano desde a criação, e ratificada como o pacto das obras, e confirmada por Cristo – continua obrigatória para o cumprimento por todos os seres humanos. Qual é o uso da lei para a humanidade, em geral? Antes da Queda, a lei direcionava Adão para um modo de vida abençoado. Desde a Queda, ela pode apenas servir para conter o pecado, expor a pecaminosidade humana, condenar cada pecador, e mostrar o quão necessitados somos de Cristo, como o único Salvador. Paulo escreve, “pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Romanos 3:20); “Mas eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei” (Romanos 7:7).

Portanto, a lei moral nos ensina a realidade do pecado. Seres humanos, decaídos e pecadores, continuam sendo agentes morais por natureza, responsáveis perante o seu Criador. A sua conduta deve ser julgada pela Sua lei. “Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou qualquer transgressão desta lei” (Breve Catecismo de Westminster, Q.14). Esta definição nos liberta da conformidade servil às leis e mandamentos dos homens, mas nos coloca face-a-face com as justas exigências de um santo Deus.

Como Cristo cancelou “o escrito de dívida, que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz” (Colossenses 2:14), algumas pessoas pensam que a lei moral não é mais obrigatória para os Cristãos, sendo estes “pessoas justificadas”. Contudo, estes “escritos de dívida” constituem a sentença da lei, pela condenação de todos os que desobedeceram. Cristo morreu para a expiação dos nossos pecados, portanto esvaziando a sentença da condenação.


Mas a lei permanece ainda de grande uso para o Cristão. Ela o ensina a conhecer a sua natureza pecaminosa, a buscar diligentemente pelo perdão dos pecados e pela justiça em Cristo, e também a odiar todo pecado e se deleitar em toda justiça. É uma marca da graça amar a lei de Deus como uma regra de vida (Salmos 119:97). O filho de Deus deseja agradar ao seu Pai celeste, cumprindo a Sua vontade na terra. A fé o move, a graça o habilita, o amor o compele, e a lei de Deus o direciona em uma nova vida de obediência, em Cristo.

33/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — O ESPÍRITO SANTO
Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu e morreu para assegurar ao Seu povo a presença residente do Espírito Santo. Como o Pai e o Filho, o Espírito Santo está presente por toda parte do universo (Salmos 139:7), Ele é onividente (João 16:13), e Ele é eterno (Hebreus 9:14). Ele esteve envolvido na criação do universo, fazendo o que apenas Deus pode fazer — trazendo à existência tudo o que existe, à partir do nada (Gênesis 1:1-2; Salmos 104:30). Portanto, Ele é plenamente Deus. Assim como o Pai e o Filho, Ele é uma Pessoa: Ele tem uma vontade (1 Coríntios 12:11), Ele tem conhecimento (Romanos 8:27; 1 Coríntios 2:11), e Ele tem uma vida emocional (Efésios 4:30).

Na época do Antigo Testamento, o Espírito habilitava homens e mulheres para tarefas específicas: habilidade de artífice relacionada ao lugar de adoração (Êxodo 31:2-3), liderança (Juízes 3:10), e profecia (2 Crônicas 15:1; Miquéias 3:8). Ele inspirou homens, durante os períodos do Antigo e Novo Testamentos, para escrever a Escritura Sagrada (2 Pedro 1:21). Ele salvou pecadores e manteve-os salvos (Salmos 51:11).

O Seu trabalho, no período do Novo Testamento, está intimamente ligado com o do Senhor Jesus. A humanidade de Jesus foi criada pelo poder do Espírito (Lucas 1:35). Jesus ministrou no poder do Espírito (Mateus 12:28), e pelo Espírito Ele ofereceu-se a Si mesmo, para o Pai, como uma propiciação pelos pecados dos homens e mulheres (Hebreus 9:14). O Espírito ergueu Cristo dos mortos (Romanos 8:11; 1 Pedro 3:18).

No que diz respeito aos crentes, o Espírito Santo primeiro nos torna conscientes de que fomos criados para ser seres espirituais, e torna o amor de Deus real para nós (Romanos 5:5). Então, Ele regenera e vivifica os eleitos de Deus (João 3:5-6; Tito 3:5-6). Ele nos habilita para abraçarmos a Cristo como Salvador e para chamarmos Jesus de “Senhor” (1 Coríntios 12:3). Na conversão, um crente é batizado, em Cristo, no Espírito Santo, unindo-o com todos os outros crentes, em um corpo (1 Coríntios 12:13). O Espírito habita nos crentes, de tal forma que eles nunca estão sozinhos (Romanos 8:9; 1 Coríntios 3:16-17). Ele também assegura os crentes da sua salvação (Romanos 8:15-16) e os mantém seguros, como um selo em uma carta (2 Coríntios 3:2-3; Efésios 4:30).

O Espírito também concede aos crentes a ousadia de se achegar à presença do todo-poderoso Criador dos céus e da terra, e de chamá-lo “Aba, Pai” (Gálatas 4:6). Ele chama crentes para servir a Cristo (Atos 13:2-4). Ele opera na igreja, concedendo dons aos crentes, para servir o corpo de Cristo (1 Coríntios 12:7-11). Ele santifica o crente; isto é, Ele torna o crente cada vez mais parecido com Jesus (Gálatas 5:22-24). Ele ora pelos crentes (Romanos 8:26). Resumindo, Ele sustenta, fortalece e habilita a totalidade da nossa vida espiritual, como crentes. O apóstolo exorta-nos, em Gálatas 5:25, que “se vivemos no Espírito” — isto é, como recebemos vida espiritual do Espírito — então “andemos também no Espírito” — isto é, devemos viver vidas caracterizadas por uma genuína espiritualidade.

Em todas estas atividades do Espírito Santo na vida dos crentes, existe uma coisa, acima de todas as outras, que Ele está buscando fazer. Há um ponto central para a Sua obra e ministério nas vidas dos Cristãos. Nós vemos, em João 16:13-14, que na noite da Sua traição, Jesus está garantindo para os Seus discípulos que eles não serão deixados sozinhos quando Ele retornar para o Pai, depois da cruz e da ressurreição. Jesus diz que ainda estaria presente com eles, contudo não mais através da sua presença encarnada; ao invés disso, Ele iria estar com eles por intermédio do Seu Espírito Santo. Ele, portanto, os está ajudando a compreender algo do ministério do Espírito Santo, depois do evento que chamamos de Pentecostes.


Nas palavras “Ele me glorificará” (João 16:14), Jesus expõe para nós o mais importante papel do Espírito Santo na nova aliança. O Espírito foi enviado por Deus, o Pai, para focalizar a nossa atenção em Cristo, para acender em nossos corações um amor inextinguível por Cristo e por Seus propósitos, e para nos capacitar a fielmente refletir a Sua pessoa e o Seu caráter.

34/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — O CHAMADO DE DEUS
Como Deus traz pecadores para Si? A Bíblia diz que Ele os chama. Uma descrição Neotestamentária de Cristãos aparece em 1 Coríntios 1:24: “os que foram chamados”, ou em uma tradução mais simples, “os chamados”, isto é, aqueles chamados ou convocados por Deus, para a graça e a vida encontradas apenas através da fé em Jesus Cristo. Usando o mesmo termo, Paulo nos assegura, “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8:28).

Um dos primeiros exemplos do chamado de Deus para pecadores é encontrado em Gênesis 11. Um homem chamado Abrão (mais tarde, mudado para Abraão), nascido em Ur dos Caldeus, foi para a terra de Canaã, juntamente com o seu pai Tera e seus familiares. Por que estes antigos Caldeus levantaram acampamento e se deslocaram para um lugar quase mil quilômetros distante, na outra ponta do “Crescente Fértil”? Gênesis 12:1 começa nos contando: “Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei”. A ordem para deixar a terra de Ur e buscar por um novo país é acompanhada por promessas de bênçãos sobre Abrão, sobre sua família, e, através dele, bênçãos sobre todas as famílias da terra.

Deus revelou-Se a um pagão idólatra, falando com ele com tal autoridade convincente, que Abrão não poderia fazer nada, além de confiar e obedecer. O fruto da nova fé de Abrão no único e verdadeiro Deus, foi a obediência em relação às Suas ordens: “Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia” (Hebreus 11:8).

Ao longo de toda a Escritura nós vemos Deus continuamente chamar aos pecadores. Ele fala uma palavra de comando, frequentemente para alguém que previamente não O conhecia como Deus e vivia em ignorância, descrença e desobediência sem lei. O chamado é apresentado como um convite, mas com Deus, um convite é sempre uma ordem, lançada de modo imperativo, contudo expressa graciosamente. O próprio Cristo emite tal chamado e comando, dizendo, “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” (Mateus 11:28). A palavra de comando é perfeitamente unida à promessa graciosa.

Hoje em dia, Deus chama os pecadores à fé em Cristo e ao arrependimento dos seus pecados, através da pregação do evangelho. A igreja tem a tarefa de proclamar o evangelho para todas as nações, convidando e exortando todos que o ouvem para virem a Cristo, por fé, para obterem o perdão de seus pecados e a vida eterna. O comando é tão convincente, o convite é tão gracioso e atraente, que ficamos atônitos em perceber que apenas poucas pessoas respondem, e muitas ignoram.

A solução Bíblica para este problema é a doutrina da eleição graciosa e incondicional. Da massa pecaminosa da humanidade, algumas pessoas foram escolhidas, ou ordenadas por Deus para a vida eterna, enquanto as outras foram reprovadas, e permitidas continuarem como escolheram ser, ou seja, pecadores descrentes e não arrependidos. À margem do chamado de Deus, não há diferença entre o eleito e o réprobo; todos são pecadores. A eleição não é uma questão de capacidade intelectual, retidão moral, aptidão religiosa, ou superioridade racial: “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3:23).

A eleição de Deus serve ao Seu grandioso propósito de glorificar ao Seu Filho como o Salvador de pecadores. Os eleitos foram concedidos, pelo Pai, ao Filho (João 6:37). Cristo os abraça e os envolve como os Seus próprios, e deu a Sua vida para salvá-los (João 10:11-15). Através da Sua Palavra e do Seu Espírito Santo, Ele os atrai a Si mesmo, iluminando as suas mentes e renovando os seus corações e vontades, capacitando-os a crer nas promessas do evangelho e a abandonar o pecado, para servi-Lo com uma obediência de amor e gratidão.


A Bíblia declara, “muitos são chamados, mas poucos, escolhidos” (Mateus 22:14). No vocabulário dos teólogos de Westminster, todos os que ouvem ao evangelho são chamados, mas apenas alguns são eficazmente chamados (Confissão de Fé de Westminster, capítulo 10). O chamado externo do evangelho precisa estar acompanhado de uma obra interna da graça divina nos corações dos eleitos.

35/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — A REGENERAÇÃO
Poucas palavras, no grego Neotestamentário, são mais importantes do que palingenesia, que significa “novo nascimento, renovação, restauração, ou regeneração”. É um termo abrangente, para a obra do Espírito Santo, que habita em nós e nos santifica, para sermos membros de Cristo, aplicando a nós aquilo que temos em Cristo, ou seja, o lavar dos nossos pecados e a renovação diária de nossas vidas (na forma do batismo).

A regeneração tem a ver tanto como a vida Cristão começa, quanto como ela se desenvolve ao longo do tempo. Toda a vida criada tem um nascimento ou começo, o qual é, na verdade, a culminação de um processo que estava em andamento a algum tempo. No tempo e no modo designado por Deus, o Espírito Santo começa este trabalho  em nós, vivificando o coração, iluminando a mente, renovando a vontade, e incutindo um novo ódio pelo pecado e uma nova fome e sede por justiça. Moldando-nos a Cristo, Ele nos capacita para usar a mão da fé para receber a salvação oferecida a nós no evangelho.

Esta passagem da morte para a vida é chamada de “novo nascimento”. Ele se manifesta como a transição da descrença para a fé em Cristo. Note, contudo, que nós não cremos, por conta própria, no novo nascimento. Ao invés disso, nós somos “nascidos de novo” para a fé em Cristo, como as primícias da Sua graça operando em nós. Quando Cristo diz, “importa-vos nascer de novo” (João 3:7), Ele está nos mostrando a nossa necessidade, e não nos contando como alcançar isto. A ordem do evangelho é, “Crê no Senhor Jesus” (Atos 16:31). Aqueles que são nascidos de novo creem somente em Cristo para a salvação, e são salvos.

Contudo, assim como os seres humanos começam suas vidas como pequenas crianças que precisam se desenvolver, crescer e amadurecer como adultos, assim também o novo nascimento é apenas o começo de um longo processo. Este processo é a regeneração em curso, ou a santificação progressiva do crente. De modo crescente, o velho homem é mortificado ou condenado à morte, e o novo homem em Cristo é vivificado ou trazido à vida, e habilitado a dar frutos.

Como resultado do novo nascimento, o crente pode cooperar em sua santificação, desenvolvendo a salvação que Deus está operando nele, “tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade” (Filipenses 2:12-13). Contudo, o que começou nesta vida, só irá ser perfeito na glória da vida por vir; qualquer caminho proposto para alcançar a “completa santificação” é uma esperança falsa. Nós nunca superamos a nossa necessidade de purificação dos pecados pelo sangue de Cristo.

Os sacramentos do batismo e da Seia do Senhor refletem este duplo significado de regeneração. O primeiro é um ritual de iniciação, administrado apenas uma vez, como um sinal de um novo nascimento que acontece apenas uma vez. O segundo é um ritual de nutrição, significando o caminho pelo qual as nossas almas são nutridas e revigoradas, alimentando-se em Cristo como o verdadeiro alimento e a verdadeira bebida da vida eterna. Eles precisam ser administrados frequentemente, porque a nossa nova vida ainda é criada, uma vida dependente que irá minguar e morrer, se não for reabastecida e sustentada.

É errado pensar que o batismo, por si só, pode renovas os nossos corações e lavar os nossos pecados. Estes efeitos espirituais não são produzidos por elementos terrenos e atos humanos. “Somente o sangue de Jesus Cristo e o Espírito Santo nos purificam de todos os pecados” (Catecismo de Heidelberg, Q.72). O lavar externo do corpo é apenas um sinal da obra de Cristo e do Espírito Santo. O sacramento representa, de uma forma visível, a operação interna e invisível de Deus, assegurando-nos a sua realidade e poder.


Há uma longa história na leitura da frase “lavar regenerador” (Tito 3:5), como uma referência para o batismo. No entanto, também é possível ler esta frase como uma descrição tanto do novo nascimento, quanto da obra regeneradora do Espírito, ou seja, um “lavar” que vivifica e restaura o crente. De qualquer forma, não há nada nesta passagem que dá suporte para a ideia de regeneração batismal.

36/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — A FÉ EM DEUS
A fé é o repouso do coração em Deus, o Autor da vida e da salvação eterna, para que possamos ser salvos de todo o mal, através Dele, e possamos seguir todo o bem Nele (Salmos 37:5; Isaías 10:20; Jeremias 17:7). A fé dá as boas vindas para uma doce troca de pecados por justiça, onde um homem pecador é considerado como justo, em Cristo, tendo Cristo se tornado pecado por ele (Romanos 3:21-26). A fé, então, segue com evidência externas de si mesma, que normalmente são chamadas de “boas obras”.

A fé é composta de dois princípios distintos, mas inseparáveis: um ato de compreensão e um ato de vontade. Primeiro, a fé envolve um ato de compreensão, onde a mente entre em concordância com as evidências. Isto é um conhecimento das declarações, na Escritura, referentes ao evangelho de Cristo (1 Coríntios 1:23; 2:2; 2 Coríntios 5:19). Contudo, a mensagem propriamente dita não é o objeto da fé (João 20:31). O verdadeiro objeto da fé é a Pessoa em quem a fé está localizada – isto é, o próprio Deus, através de Jesus Cristo (1 Timóteo 4:10). Os homens não creem apenas “acerca” de Deus, mas “em” Deus. Além disso, Deus é o objeto de fé definitivo, enquanto Cristo é o objeto de fé mediador (Romanos 6:11; 2 Coríntios 3:4; 1 Pedro 1:21). Isto significa que a fé verdadeira e salvífica é uma compreensão situada em Deus, através de Jesus Cristo.

No entanto, a simples fé em Deus, através de Cristo, divorciada de um ato de vontade, não é uma fé salvadora (João 7:17; 8:31,32; 1 João 2:3). Este ato de vontade é o segundo aspecto necessário da fé salvífica. Não sendo apenas um mero ato do intelecto, o exercício da fé envolve um ato de escolha, considerando o homem inteiro. A fé é uma decisão ou uma resolução determinada. É uma genuína mudança da vontade, partindo da confiança em si mesmo para a dependência em Deus. Isto implica em uma entrega ou rendição por um consentimento da vontade (João 6:35). Portanto, crer em Deus, por meio de Cristo, é apegar-se a Deus, inclinar-se para Deus, e descansar em Deus como todo suficiente para a vida e a salvação (Deuteronômio 30:20; Salmos 37:3-5; 62:7; Provérbios 3:5; Isaías 10:20; 31:1; 50:10; Romanos 10:11).

A fé é um genuíno recebimento (João 1:12) – uma verdadeira dependência de Deus (Provérbios 3:5). Deste modo, a fé não é incerta ou duvidosa, ou somente o resultado de um conhecimento humano imperfeito de um testemunho. Embora o testemunho da Escritura é verdadeiro em si mesmo (João 9:29; Romanos 3:4; 1 Coríntios 2:5; 2 Pedro 1:20-21), a fé é mais confirmada porque ela se une à Pessoa de Deus. Aquele que é infalível confere infalibilidade à própria fé verdadeira e salvífica. A fé se apodera do poder do completo Deus triuno na salvação (Marcos 11:23; Lucas 17:6; Romanos 1:16-17). Infelizmente, devido às inclinações imperfeitas do homem, a certeza da fé verdadeira frequentemente se encontra debilitada. Isto é o porquê do homem supor que a segurança da sua fé é questionável — e o porquê dele precisar de uma persuasão interna e de um fortalecimento na fé, por meio do Espírito Santo (1 Coríntios 12:3; cf. Marcos 9:24). Todavia, a fé verdadeira, seja uma confiança débil ou uma forte convicção, é fé “em” Deus — e é aí que reside a garantia (cf. Mateus 9:21; Hebreus 11). Portanto, a fé une tão certamente o homem a Deus, em Cristo, que ninguém pode removê-lo ou separá-lo de Deus (João 10:28-29; Romanos 8:35-39).


Além disso, porém, concordância intelectual geral e confiança sem qualquer vida não é fé salvadora (Tiago 2:24). A fé é um consentimento baseado no conhecimento pelo qual o homem vive para Deus, em Cristo. A fé acarreta a declaração de que Deus é o nosso Deus, em Cristo; isto é conhecido como submissão ao Soberano. Enquanto isto é o primeiro ato pelo qual somos salvos por Deus, em Cristo, a fé invoca muitos atos resultantes de boas obras. A fé traz consigo mesma o “viver para Deus” no homem. A partir da fonte da fé, fluem decisões sinceras para uma vida de obediência. Mais ainda, como a fé em Deus garante uma santidade progressiva – tanto uma separação em relação aos pecados, quanto um apego à justiça – o teste da fé verdadeira e salvífica é resumido desta forma: “a fé que salva é a fé que atua”.

37/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — A JUSTIFICAÇÃO SOMENTE PELA FÉ
Em Gálatas 2:16, Paulo vai direto ao coração do que significa ser um Cristão: “temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei”. Paulo está citando a maior de todas as promessas de Deus. Ele prometeu o perdão dos pecados para todos aqueles que verdadeiramente crerem somente em Jesus Cristo para a salvação, libertando-os de toda a culpa, e imputando a eles a justiça perfeita de Cristo, como uma cobertura para todas as suas enfermidades e pecados remanescentes. Sendo pessoas justificadas, eles são justos, em Cristo, diante de Deus, e herdeiros da vida eterna.

Esta doutrina é tão antiga quanto a Bíblia. Abrão “creu no SENHOR, e isso lhe foi imputado para justiça” (Gênesis 15:6). Davi declarou: “ Bem-aventurado aquele cuja iniquidade é perdoada, cujo pecado é coberto. Bem-aventurado o homem a quem o SENHOR não atribui iniquidade” (Salmos 32:1-2). Isaías registra a promessa de Deus: “o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniquidades deles levará sobre si” (Isaías 53:11). Ainda, a Palavra de Deus para Habacuque foi “o justo viverá pela sua fé” (Habacuque 2:4).

Pregando para os Judeus em Antioquia, Paulo anuncia a Jesus como o Filho de Deus, crucificado, morto, e enterrado, mas ressuscitado da morte por Deus, como o Salvador de Israel, em cumprimento da promessa feita aos seus pais: “Tomai, pois, irmãos, conhecimento de que se vos anuncia remissão de pecados por intermédio deste; e, por meio dele, todo o que crê é justificado de todas as coisas das quais vós não pudestes ser justificados pela lei de Moisés” (Atos 13:38,39). Esta doutrina foi ensinada por todos os apóstolos, mas coube a Paulo expô-la detalhadamente em suas epístolas.

Nos séculos seguintes, a igreja Cristã veio a equiparar a justificação com a santificação, afirmando que um pecador tinha que buscar a justificação, aderindo a um regime severo de penitência, e auxiliado por infusões de graça através dos sacramentos. O objetivo não foi tanto o de justificação, mas o de purgação, ou limpeza dos pecados. Reconhecendo que a conquista deste objetivo, nesta vida, estava além das habilidades da maioria das pessoas — na realidade, é claro, de todas as pessoas — a igreja pré-Reforma prorrogou o caminho da penitência e da purificação para a próxima vida. Ela reduziu o perdão a uma mercadoria, na forma de perdões eclesiásticos, ou “indulgências”, que eram vendidas por agentes especiais conhecidos como “perdoadores”.

Um destes agentes, Johann Tetzel (1465-1519), comumente bradava “Assim que a moeda cair no fundo do cofre, a alma salta do purgatório!” (“As soon as the coin in the moneybox rings, the soul from Purgatory springs!”, rimando em inglês). Em 1517, Martinho Lutero respondeu com as suas “Noventa e Cinco Teses”, combatendo o sistema de penitência e a venda de indulgências ou perdões. Lutero passou a reafirmar a doutrina bíblica da justificação somente pela fé em Cristo, como o grito de guerra da Reforma.

A justificação é a dádiva gratuita de Deus para todos aqueles que creem em Jesus Cristo como o único Salvador, encontrando Nele todas as coisas necessárias para a sua salvação. Não é exigido nada de nós, exceto a fé. A extensão é para todos os pecados, exceto para o pecado da descrença, e depende completamente do que Cristo é e do que Ele fez, e não depende de nada em nós.


Alguns veem uma contradição entre Paulo e Tiago, sobre a justificação por fé, independentemente das obras. O fato é que Tiago está fazendo uma pergunta sobre a fé, e não sobre justificação (Tiago 2:14). A fé que justifica não é uma fé morta, mas é sempre acompanhada por graças tais como a autonegação, o arrependimento, e a gratidão a Deus, e sempre produz frutos na forma de boas obras feitas em conformidade com a lei de Deus, e para a Sua glória. Paulo concorda com Tiago que uma fé sem tais graças e frutos é uma fé morta, que não consegue justificar um pecador. As obras de Abraão e Raabe mostraram que a sua fé era viva, ativa e justificadora de verdadeiros Cristãos. “Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor” (Gálatas 5:6).

38/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — A ADOÇÃO
A adoção é o ato gracioso de Deus, pelo qual Ele nos escolhe, nos chama para Si mesmo, e nos concede privilégios e bênçãos por sermos Seus filhos. Deus tem uma natureza paternal – Seus planos, para a Sua família, são expansivos. Embora a humanidade perdeu a condição e os privilégios da filiação, em sua trágica “queda” no Paraíso, a adoção transporta o crente para fora de um estado miserável, para uma união feliz com Deus.

A adoção é triuna por natureza: Deus Pai escolhe os Seus filhos antes da fundação do mundo (Romanos 8:28-29; Efésios 1:5,11; 1 Tessalonicenses 1:4; 1 Pedro 2:9); Deus Filho ganhou as bênçãos pelas quais nos tornamos filhos de Deus (1 João 4:10); e Deus Espírito Santo muda a nossa natureza através da regeneração, de tal forma que somos transformados de “filhos da ira” para “filhos de Deus” (1 João 2:29; 3:9; Efésios 2:3).

A adoção traz mudanças de relacionamento. Em primeiro lugar, o relacionamento com Deus é mudado, pois Ele agora é chamado “Aba, Pai” (Romanos 8:15). Portanto, o filho de Deus declara, como Cristo declarou, “não procuro a minha própria vontade, e sim a daquele que me enviou” (João 5:30). A vida do crente é controlada pela convicção de que Deus é, agora, seu Pai (Mateus 7:11; cf. Mateus 6:9). Este é o seu conforto, em todos os aspectos da vida (Mateus 6:32; João 14:1-2; Tiago 1:16-18).

Em segundo lugar, o nosso relacionamento com o mundo é mudado. Ele se torna, agora, um relacionamento conturbado (1 João 3:1). Além disso, este relacionamento faz com que o crente continuamente lute para mortificar, pois apesar dele “viver no mundo”, ele precisa “não ser do mundo” (João 15:19; 17:16; Romanos 12:2; cf. Êxodo 23:32-33; Juízes 2:1-2; 2 Coríntios 6:17-18; Filipenses 1:27; Tiago 1:27; 4:4).

Em terceiro lugar, o nosso relacionamento com a família de Deus é mudado, pois um filho de Deus tem muitos irmãos e irmãs, em Cristo (1 João 3:14-18). Conforme o crente é unido a Deus, em Cristo, ele também é unido a todo o povo de Deus (João 17:21). Além disso, a adoção traz consigo a comunhão dos santos (Salmos 133:1; Romanos 12:4-5; 1 Coríntios 12:12-31; 1 Tessalonicenses 5:11).

Adicionalmente, a adoção inclui dois preciosos benefícios: uma condição abençoada e privilégios extraordinários. Os filhos adotados por Deus compartilham uma condição similar à do próprio Filho de Deus (cf. Oséias 1:10; Romanos 9:26; 2 Coríntios 6:18), que é o seu “Irmão mais velho” (Hebreus 2:11). Isto significa que eles desfrutam do mesmo amor de Deus que existe entre o Pai e o Seu Filho (João 17:23; cf. Jeremias 31:3; 1 João 3:1). Portanto, Deus declara para o crente o que Ele fala para o Seu Filho: “Este é o meu filho amado” (Mateus 3:17).

Ainda mais, o filho de Deus recebe múltiplos privilégios. Ele recebe o Espírito de adoção (Romanos 8:15), ele é transformado à semelhança de Cristo (Romanos 8:29; 2 Coríntios 3:18), é repreendido para a sua santificação (Hebreus 12:6-7), ele recebe conforto do amor e da piedade paternais de Deus (Salmos 103:13), é preservado de quedas (Judas 24), e ele é provido de todas as coisas necessárias para a sua vida (Mateus 7:7-11; Tiago 1:17).

Além de tudo isso, o crente desfruta de privilégios do Unigênito Filho Amado. Isto trás consigo aceitação (Efésios 1:6), comunhão (2 Coríntios 13:13), vida (João 1:12-13; 1 João 3:1-3), e uma herança eterna (Romanos 8:17). A adoção, segundo a lei Romana, era um ato legal pelo qual um homem escolhia alguém de fora da sua família para ser um herdeiro da sua herança. Esta herança era dividida; mesmo assim, apenas de  existirem vários herdeiros de Cristo, cada crente recebe a plena e completa herança de Deus.

Estes privilégios trazem a responsabilidade de servir alegremente ao Pai. Isto inclui um amor pueril e reverencial pelo Pai; uma submissão ao Pai, em todas as Suas providências; uma obediência e imitação do Pai; e um amor pelos filhos do Pai. Como um filho se regozija em agradar ao seu pai, assim também o crente busca pelos sorrisos e olhares severos de Deus, para guiar a sua conduta na vida.


De um filho do Diabo para se tornar um filho de Deus; de um filho da ira para ser objeto do favor de Deus; de um filho da condenação para um herdeiro de todas as promessas e um possuidor de todas as bênçãos; da maior miséria para a maior felicidade – a adoção é uma maravilha estupenda. O pródigo não tem nada para mover a Deus para adotá-lo. Ainda mais, existe o bastante nele para desencorajar a adoção; contudo, Deus se deleita em se tornar o seu Pai, em Cristo, pelo Espírito.

39/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — O ARREPENDIMENTO
O arrependimento é uma graça do Espírito de Deus, através do qual um pecador é internamente humilhado e visivelmente reformado. Em Adão, todos sofreram naufrágio; o arrependimento é a única prancha ou tábua de salvação, na qual podemos nadar para o céu. É uma graça requerida no evangelho. O primeiro sermão que Cristo pregou – na verdade, a primeiríssima palavra do Seu sermão – foi “Arrependei-vos” (Mateus 4:17). Esta também foi Sua mensagem de despedida, que Ele ordenou que fosse proclamada em toda a terra (Lucas 24:47). O arrependimento foi o que os apóstolos saíram para pregar (Marcos 6:12). O próprio Deus ordena a todo ser humano, em todo lugar, que se arrependa (Mateus 3:2; Atos 3:19; 8:22; 17:30; cf. Hebreus 6:1).

Assim que a fé é operada pela primeira vez no coração, um arrependimento indubitável se mostra pela primeira vez na vida do Cristão. O arrependimento não é um terrorismo legal ou jurídico, pois pode haver terror de uma punição sem haver uma mudança de coração. Além disso, o arrependimento não é apenas uma resolução contra o pecado (Jeremias 2:20; cf. Apocalipse 6:8). O verdadeiro arrependimento pelos pecados está presente quando os atos de pecado cessam, por causa da infusão de um princípio de graça, através do Espírito, assim como se o ar deixasse de ser escuro, por causa de uma infusão de luz.

O arrependimento é um remédio espiritual, composto de seis ingredientes:

1. VISÃO DO PECADO

Primeiro, o arrependimento envolve uma “visão do pecado”, onde um ser humano acaba “caindo em si” (Lucas 15:17), e reconhecendo o que o seu pecado é e o que ele mesmo é diante de um Deus santo. Isto o faz clamar, como o profeta, “Ai de mim! Estou perdido!” (Isaías 6:5).

2. LAMENTO PELO PECADO

Em segundo lugar, o arrependimento consiste de “lamento pelo pecado”. Este é o amargurar da alma até o ponto em que é crucificado em pranto e tristeza (cf. Zacarias 12:10; Lucas 7:38). Tal pesar do coração transborda pelos olhos, através de lágrimas amargas de santa agonia (Esdras 9:3; Salmos 51:17; Isaías 22:12; Jeremias 31:19; Joel 2:13; Lucas 18:13). Nestas lágrimas, o pecado deve se afogar, ou a alma irá arder e queimar. Aqueles que pranteiam de uma maneira piedosa são confortados (Mateus 5:4; 2 Coríntios 7:9).

3. CONFISSÃO DE PECADO

Em terceiro lugar, o arrependimento inclui “confissão de pecado” (Neemias 9:2; Oséias 5:15). Esta confissão é autoacusatória (2 Samuel 24:17; cf. Neemias 9:33), voluntária (Lucas 15:18), compungida (Salmos 38:4), e sincera (Lucas 18:10-14), e inclui uma resolução de não pecar novamente (Provérbios 28:13; Isaías 1:16; Ezequiel 18:21). Esta confissão expurga o pecado e valoriza ou encarece a Cristo para a alma (Romanos 7:25). Deste modo, este é o caminho claro para o perdão (2 Samuel 12:13; 1 João 1:9).

4. VERGONHA PELO PECADO

Em quarto lugar, o arrependimento inclui “vergonha pelo pecado” (Ezequiel 43:10). Quando o coração se torna negro por causa do pecado, a graça torna a face avermelhada ou ruborizada (Esdras 9:6; cf. Lucas 15:21). Este embaraçamento santo é devido ao reconhecimento das muitas angústias do pecado, dentre elas a sua culpabilidade, o seu insulto a Cristo, e o seu poder corruptor, a sua insensatez, e a sua extensão.

5. ÓDIO PELO PECADO

Em quinto lugar, o arrependimento necessita de um “ódio pelo pecado” (Ezequiel 36:31). Um verdadeiro penitente é um abominador de pecados (Zacarias 3:4-5). Além disso, ele odeia não apenas um pecado, mas todos os pecados (Salmos 119:104); na verdade, ele despreza o pecado, em qualquer forma. Ele odeia o pecado não somente para o inferno, mas como o inferno.

6. ABANDONO PELO PECADO

Em sexto lugar, o arrependimento opera um “abandono do pecado”. Este abandono é de todos os pecados (Isaías 55:7), se convertendo completamente a Deus (Atos 26:20). Como um navio que, indo a leste, muda de direção a oeste pelo vento, um homem que, inclinado ao inferno, é mudado de direção pelo vento contrário do Espírito que começa a soprar nele, mudando o seu curso em direção ao arrependimento e o faz navegar em direção ao céu. Esta mudança de direção é chamada de um “abandono do pecado” (Isaías 55:7), um “lançar para longe” os pecados (Jó 11:14), e um “morrer para o pecado” (Romanos 6:2). Esta é uma mudança completa da alma: os olhos se convertem de olhares impuros, os ouvidos se afastam de calúnias e difamações, a língua se converte de linguagem ofensiva e ultrajante, as mãos se afastam de todo o mal, os pés se desviam do caminho da prostituição, e a alma se afasta do amor pela perversidade.


Não é possível remar para o paraíso, exceto através do regato de lágrimas do arrependimento. Quão seriamente Deus chama o homem a voltar-se para Ele? Ele jura, “Tão certo como eu vivo... não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos” (Ezequiel 33:11). Deus prefere as nossas lágrimas de arrependimento, no lugar do nosso sangue. Se nos voltarmos a Deus, Ele irá se voltar para nós (Zacarias 1:3); Ele irá afastar a Sua ira de nós e irá voltar a Sua face para nós. Assim, todas as coisas, tanto misericórdias quanto aflições, irão se converter para o nosso bem; nós iremos provar o mel com a ponta da vara (1 Samuel 14:43).

40/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — O CONHECIMENTO EXPERIMENTAL
Os Reformadores e Puritanos amavam pregar em João 17:3, “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”. Eles compreenderam que a palavra “conheçam”, como está usada neste contexto, significa um tipo íntimo de conhecimento que envolve um relacionamento profundo e duradouro com Deus, em Cristo Jesus. Eles chamavam isto de um “conhecimento experimental”. Hoje em dia, nós chamamos comumente de “conhecimento experiencial”.

O termo “experimental” vem do Latim “experimentum”, que significa “experimento”. É derivado do verbo “experior”, que significa “testar, provar, ou colocar em prova”. Este verbo também pode significar “encontrar ou conhecer por experiência”, portanto conduzindo à palavra “experientia”, que significa “conhecimento adquirido por experimento”. João Calvino usou as palavras “experiencial” e “experimental” de maneira intercambiável, uma vez que ambas indicam a necessidade de medir um conhecimento experimentado à partir do critério da Escritura. O conhecimento experiencial aborda o importante assunto de como um Cristão experimenta a verdade da doutrina bíblica em sua vida.

A pregação experiencial busca explicar, em termos da verdade bíblica, como as coisas deveriam ser, como elas são, e o objetivo final da vida Cristã – comunhão eterna com Deus, na glória (Apocalipse 21-22). Ela tem o objetivo de aplicar a verdade divina a toda a variedade de experiência pessoal dos crentes, incluindo o seu relacionamento com a sua família, a igreja, e o mundo ao redor dele. Com a bênção do Espírito, a missão desta pregação é transformadora, pois ela reflete precisamente a experiência de vida do filho de Deus (cf. Romanos 5:1-11), explica claramente as marcas e frutos da graça salvífica necessárias para um crente (Mateus 5:3-12; Gálatas 5:22-23), e apresenta o futuro eterno ao crente e ao descrente (Apocalipse 21:1-9).

A pregação e o conhecimento experienciais podem ser conhecidos através destas quatro marcas:

1. CENTRADAS NA PALAVRA

Eles são centradas na Palavra e em Cristo (Cristocêntricas). Isto significa que eles fluem da passagem bíblica como se estivessem expostas de acordo com bons e sólidos princípios exegéticos e hermenêuticos, assim como para promover a verdadeira convicção de pecados e o verdadeiro crescimento (João 16:7-8; Romanos 10:14; 1 Pedro 2:2). O grande tema e a fronteira da pregação experiencial é Jesus Cristo, pois Ele é o foco, o prisma e o objetivo supremo da revelação de Deus (1 Coríntios 2:2). A pregação precisa exaltar a Cristo através do despertar, da justificação, da santificação, e do conforto a pecadores (Isaías 61:2; 1 Coríntios 1:30; Efésios 5:14).

2. APLICÁVEIS

Eles são aplicáveis. A pregação aplicada é o processo de fascinar tão poderosamente a verdade nas pessoas, que elas não podem senão perceber que precisam mudar, e como elas podem receber poder para isto acontecer. Ela aplica o texto a cada aspecto da vida do ouvinte, promovendo, pela graça do Espírito, uma religião que é constituída de poder, e não apenas de forma (2 Timóteo 3:5). Robert Burns define tal conhecimento como “Cristianismo trazido para os negócios e o coração do homem”. Ele continua dizendo que o princípio no qual isto se apoia é que “O Cristianismo não deve apenas ser conhecido, e compreendido, e crido, mas também sentido, e desfrutado, e aplicado na prática”.

3. DISTINTIVOS

Eles são distintivos. Eles definem claramente a diferença entre um Cristão e um não-Cristão, abrindo o reino dos céus através do oferecimento do perdão dos pecados e a vida eterna para todos aqueles que abraçam a Cristo como Salvador e Senhor, através da fé verdadeira, e fechando o reino dos céus através da proclamação da ira de Deus e da Sua condenação eterna sobre aqueles que são impenitentes e descrentes. Se o nosso conhecimento de Deus não for experiencial, nós iremos perecer – não porque a experiência, propriamente dita, salva, mas porque o Cristo que salva pecadores precisa ser experimentado pessoalmente, como o fundamento sobre o qual a casa da nossa esperança eterna é colocada (Mateus 7:22-27; 1 Coríntios 1:30).

4. REALÍSTICOS E IDEALÍSTICOS


Eles são tanto realísticos quanto idealísticos. Eles são realísticos pois explicam como as coisas realmente são na vida do povo de Deus (e.g. Romanos 7:14-25), e são idealísticos pois explicam como as coisas deveriam ser em suas vidas (e.g. Romanos 8). Ambos são essenciais. Dizer como as coisas são sem indicar como elas deveriam ser traz uma calmaria para o crente, que para de avançar em crescimento na graça e no conhecimento de Cristo (2 Pedro 3:18). Por outro lado, apenas transmitindo como as coisas deveriam ser, em oposição a como elas realmente são, desencoraja o crente de estar seguro que o Senhor tem trabalhado em seu coração.

41/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — A OBEDIÊNCIA À VONTADE DE DEUS
A obediência à vontade de Deus resume o dever da religião Cristã (Deuteronômio 10:20; 1 Samuel 12:24; Eclesiastes 12:13). Nós podemos identificar quatro áreas relacionadas a este culto racional (Romanos 12:1): seu fundamento ou base, sua forma ou essência, seu princípio regulador, e sua manifestação prática.

Em primeiro lugar, o fundamento para esta obediência é o caráter de Deus. Deus detém, em Si mesmo, toda a glória e o merecimento para ser cultuado e servido (Salmos 119:90-91; Jeremias 10:7). O Seu ser requer a sujeição do homem para honrá-lo e servi-lo verdadeiramente, e para devotar completamente a sua existência a Deus. O caráter de Deus como fundamento não exclui completamente as obras que Ele opera através do homem; ao invés disso, é possível reconhecer que a base para a obediência humana é, primeiramente, a natureza gloriosa de Deus, que Ele possui em Si mesmo, mesmo que não existisse mais nada. Esta obrigação em obedecer a vontade de Deus é efetuada pela majestade de Deus. É aí que reside a base para o dever do homem em servir e cultuar a Deus, vivendo em dedicação ao seu Criador.

Em segundo lugar, a forma ou essência desta obediência consiste no conhecimento, reconhecimento, e aprovação sincera do homem para esta obrigação imposta: viver completamente para Deus, em todo tempo e em todas as coisas. Esta afirmação é melhor compreendida como uma resolução interna por uma vida com o propósito de glorificar a Deus, tanto pela compreensão intelectual do que é requerido, quanto pela decisão volitiva de viver de acordo com as obrigações requeridas por Deus. Com uma resolução sincera, o crente voluntariamente sacrifica a si mesmo para o culto e o serviço a Deus, proclamando “SENHOR, deveras sou teu servo, teu servo” (Salmos 116:16; cf. Isaías 44:5). Além disso, subjacente a este compromisso, está a contínua súplica a Deus, por parte do crente: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável” (Salmos 51:10). O desejo do crente é o de que tudo que seja vazio de piedade seja jogado fora, e que tudo que seja repleto de santidade adotado em sua vida.

Em terceiro lugar, o princípio regulador para a obediência a vontade de Deus é a revelação do conteúdo da Sua vontade, nas Escrituras. Não foi designado ao homem determinar os deveres que ele deve a Deus (cf. Mateus 15:9); ao invés disso, eles foram fixados, tanto de forma positiva, quanto negativa. Os últimos consistem das proibições de tudo o que apresenta uma falta de conformidade com o padrão de santidade de Deus. Os primeiros se referem não apenas à carta da lei moral, como expressa nos Dez Mandamentos e em suas exposições, mas também no seu espírito: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lucas 10:27; cf. Gálatas 5:14). Nisto reside o que é a “boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:2). Portanto, a vontade de Deus detém demandas para o homem como um todo. Este padrão completo para a obediência foi concretizado em perfeição para imitação – observe a obediência de Cristo (Hebreus 5:8; cf. 1 Coríntios 11:1; Efésios 5:1-2; Filipenses 2:5-8).

Em quarto lugar, a manifestação prática da obediência é tanto uma concordância ativa, quanto uma execução da vontade de Deus (cf. Tiago 1:22; 2:24). A primeira é chamada de “atos internos de obediência”, pois obediência é o que procede de um coração sinceramente oferecido à Deus. O crente continuamente recorda as palavras de Cristo para si mesmo: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (João 14:15; cf. Mateus 7:21; Lucas 6:46; João 14:21). Portanto, tudo o que Deus deseja, o crente também deseja, porque a vontade de Deus é o objeto do desejo e do deleite do seu coração. O crente realiza a vontade de Deus de coração sincero (Efésios 6:6), com alegria (Salmos 100:2).


A realização da vontade de Deus descreve os atos externos do crente: uma obediência que se estende a todas as questões e aspectos da vida diária. Esta obediência é mais comumente conhecida como as “boas obras”, as quais Deus nos revelou que precisamos cumpri-las (Deuteronômio 29:29b). Desta forma, para o crente, a religião pura e imaculada pode ser resumida a esta forma mais simples: “visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo” (Tiago 1:27).

42/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — A SEGURANÇA DA SALVAÇÃO
As Escrituras nos ordenam: “Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados” (2 Coríntios 13:5). Nós precisamos de um conhecimento prático, experiencial, e bem testado, para a nossa condição espiritual. Cristo expôs esta questão aos Seus ouvintes, em Suas parábolas (Mateus 7:24-27; 13:1-9,18-23; 25:1-13). João nos concede testes através dos quais um Cristão pode conhecer, com segurança, que ele é salvo por Cristo, particularmente a obediência e o amor (1 João 2:3-5; 3:10,14).

O que é a segurança da salvação? A segurança da salvação é uma certeza alegre e firme da salvação presente e futura de uma pessoa. Nós não devemos confundir a segurança da salvação com presunção, que é uma ilusão baseada em amor por si mesmo, auto-justificação, e auto-bajulação (Provérbios 16:2). Nós também precisamos ter o cuidado de não confundir a fé e a segurança da salvação. Alguém pode estar justificando a fé sem a segurança. A segurança da salvação é um efeito da fé, ou cresce à partir da fé (Efésios 3:12). A fé é um ato direto da alma em direção a Cristo, tomando-o e se agarrando ou se apegando a Ele. A segurança da salvação é um ato de reflexão da alma, na percepção da própria fé através do poder do Espírito Santo.

É possível, para um Cristão, ter uma segurança da sua salvação. Nós vemos nas Escrituras que o povo de Deus tem desfrutado dela. Davi chamou a Deus de “seu” Deus, e O agradeceu pelo perdão dos seus pecados (Salmos 31:14; 32:1). Paulo mostrou a sua segurança da salvação, e a baseou não em uma revelação especial de Deus, mas em motivos ou razões que pertencem a todo o povo de Deus (Romanos 8:31-39). O Cristão pode ter certeza e segurança da salvação, porque as promessas de Deus são o sim e o amém, em Cristo (2 Coríntios 1:20), e o Espírito de Deus, que renova o coração, também pode testificar que somos filhos de Deus (Romanos 8:16).

Estes são sinais da graça, através dos quais um homem pode saber se está em um estado de graça, ou não. Um homem que vive no hábito de pecados não arrependidos deve ser assegurado de que ele está atualmente em uma condição condenável, e estará nela por tanto tempo quanto ele viver neste caminho (Gálatas 5:19-21). A graça santificadora de Deus produz uma vida sobrenatural dentro de nós. É o infundido princípio de uma vida santa, uma nova criação produzida por regeneração (2 Coríntios 5:17; 2 Pedro 1:4). A Bíblia bendiz a busca por segurança da salvação, quando ela nos fornece descrições das características da verdadeira fé salvadora, em distinção da falsa (Mateus 5:3-10). A Escritura nos ordena a confirmar a nossa vocação e eleição (2 Pedro 1:10). Nós temos exemplos de crentes piedosos que usaram suas graças como sinais de consolação e conforto do amor de Deus em relação a eles (2 Reis 20:3; Neemias 13:14,22; 2 Coríntios 1:12; 2 Timóteo 4:7-8). O nosso Salvador estabeleceu o princípio de que “pelo fruto se conhece a árvore” (Mateus 12:33).

Portanto, examine a sua vida, buscando pelos sinais da graça salvadora de Deus, com sabedoria e cautela. Não exija, de sei mesmo, uma perfeição sem pecados (1 João 1:8). Além disso, não exija grande maturidade espiritual como prova de conversão. Por outro lado, não conte os sinais da graça à partir de qualidades que um descrente pode ter, como receber o batismo e a Ceia do Senhor, ter crenças doutrinárias corretas, e exercitar grande habilidade no serviço Cristão. Teste a si mesmo pelo padrão verdadeiro, a Palavra de Deus (Salmos 119:105).


Conforme você vai procurando por evidências da graça salvadora, nunca se esqueça de continuar olhando somente para Cristo como a sua paz com Deus e a base para a sua salvação. Lide honestamente consigo mesmo, e lute contra o egoísmo e a auto-bajulação. Se a sua alma estiver cheia de trevas e desespero, não vá julgando logo a si mesmo, mas aguarde até você poder pensar com mais clareza. Enquanto examina a si mesmo, ore a Deus para que o Espírito Santo ilumine os seus olhos. Se você descobrir que ainda não é salvo, não perca tempo até você poder ver mais sinais da graça em si mesmo, mas confie imediatamente em Cristo para salvá-lo, sem qualquer merecimento da sua parte. Se o Espírito de Deus lhe mostrar evidências de que você é salvo, não resista a Ele com descrença, mas submeta-se a Ele e glorifique a Ele, conforme o Espírito de adoção (Romanos 8:15).

43/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — O DISCIPULADO CRISTÃO
Durante o Seu ministério público, o Senhor Jesus Cristo gastou tempo, em Marcos 8:34, para anunciar o que Ele exige daqueles que querem segui-lo: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me”. Estas palavras são direcionadas para todos os Cristãos, de todos os tempos e em todos os lugares; portanto, elas ainda estão em vigor hoje em dia.

O que é um discípulo? A palavra Grega “mathetes” significa “aquele que aprende”, especialmente aquele que aprende através da investigação e averiguação, e através do uso ou da prática do que é ensinado (Abbott-Smith, “Um Manual Léxico-Grego do Novo Testamento”). Cristo falou, “aprendei de mim” (Mateus 11:29). Todos aqueles que pertencem a Cristo precisam se matricular em Sua escola e aprender Dele, recebendo a Sua doutrina e o Seu testemunho, e conformando-se a si mesmos com o Seu exemplo de fé e piedade.

Discípulos precisam de mestres. Cristo designou mestres para a Sua igreja, a saber, os apóstolos e os seus sucessores, os ministros da Palavra (Atos 6:4; 1 Timóteo 5:17). Como servos de Cristo, estes mestres terrenos dever deferir a Ele, e o objetivo da sua instrução deve ser que Cristo seja formado naqueles que estão sob os seus cuidados (Gálatas 4:19): “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor” (2 Coríntios 4:5).

APRENDER A NEGAR A SI MESMO

O que os discípulos de Cristo precisam aprender? Em primeiro lugar, eles precisam aprender a negar a si mesmos, a dizer não para si mesmos e para suas demandas. A negação de si mesmo começa com o reconhecimento de que os nossos problemas na vida resultam da consulta à nossa própria vontade, de seguir o nosso próprio caminho, e de viver para os nossos próprios fins. Cristo deve nos mostrar que ser centrado em si mesmo e servir a si mesmo é autodestrutivo. Este culto a si mesmo é  a exteriorização da natureza pecaminosa com a qual nascemos. Nós devemos negar a isto, para podermos seguir a Cristo. A negação de si mesmo é tão fundamental para a vida Cristã, que Cristo a inclui na terceira petição da Sua oração modelo. “Faça-se a tua vontade” significa “Fazei com que nós e todos os seres humanos possam renunciar à sua própria vontade e, sem murmuração, obedeçam a Tua vontade, a única que é boa” (Catecismo de Heidelberg, Q.124).

APRENDER A TOMAR A CRUZ

Em segundo lugar, os discípulos precisam aprender a “tomar a sua cruz”. Note o pronome possessivo. A cruz indicada neste imperativo não é a de Cristo, mas é a nossa própria, a cruz designada para cada um de nós carregar. Nenhum de nós pode fazer o que Cristo fez por nós, quando Ele foi à cruz e morreu por nossos pecados. Nosso dever é nos submetermos à vontade de Deus para as nossas vidas, como Cristo o fez, mesmo que o fardo seja pesado, que o caminho seja duro, e que o fim seja a morte. Carregar a cruz é penoso para nós, como foi penoso para Cristo. Nós devemos aprender a orar como Ele orou no Getsêmani, “Meu Pai, se não é possível passar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade” (Mateus 26:42).

APRENDER A SEGUIR A CRISTO

Finalmente, os discípulos precisam aprender a seguir a Cristo, vivendo por fé, andando em amor, e fazendo o bem a todos: “Porquanto para isto mesmo fostes chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo para seguirdes os seus passos” (1 Pedro 2:21). O “seguir” também significa acompanhar alguém como um companheiro de viagem; como Cristãos, a nossa maior alegria e privilégio é viver em comunhão com Cristo, como o nosso Cabeça vivo. O salmista Asafe sabia nunca estava sozinho nos seus sofrimentos: “Todavia, estou sempre contigo, tu me seguras pela minha mão direita. Tu me guias com o teu conselho e depois me recebes na glória” (Salmos 73:23-24).


O chamado para o discipulado constitui uma parte essencial da proclamação do evangelho: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações” (Mateus 28:19a). A igreja de Cristo não é meramente uma organização de pessoas que tem a mesma opinião. Ao invés disso, como membros do corpo de Cristo, todos contribuem para o “aumento do corpo para a edificação de si mesmo em amor”. O objetivo é “crescer em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Efésios 4:15-16). Os discípulos precisam crescer em amor por Cristo e por uns aos outros, de acordo com o preceito de Cristo: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (João 13:35).

44/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — A BATALHA ESPIRITUAL
A vida Cristã não é um parque de diversões; ela é um campo de batalha espiritual. Neste campo de batalha, as forças das trevas estão dispostas contra nós, procurando nos causar grande dano. O Puritano, William Gurnall disse que esta guerra é tão séria, que faz com que a mais cruel batalha entre exércitos de homens pareça com uma brincadeira de crianças. Algumas vezes, nós podemos nos esquecer disto; outras vezes, podemos dar muita atenção a isto. O apóstolo Paulo não gostaria que nós caíssemos em um destes extremos. Em Efésios 6, ele nos fornece um balanço adequado da batalha espiritual, de tal forma que não a subestimemos, nem a superestimemos. A maneira como pensamos sobre esta batalha espiritual é crucial para definir o modo como a lutamos. Esta passagem clássica nos fornece uma visão panorâmica e bíblica sobre a batalha espiritual. Ela nos provê uma perspectiva que pode moldar dramaticamente as nossas vidas diárias, nos mostrando como devemos nos engajar corretamente neste grande conflito.

Como crentes, o nosso primeiro passo ao travar, de forma bem-sucedida, a batalha espiritual, é reconhecer as nossas fraquezas e o grande poder do Senhor. Autossuficiência é um assassino nesta batalha; a dependência em Cristo é crucial. Efésios 6:10-20 nos lembra, repetidamente, da nossa insuficiência para esta luta. Nós precisamos de força (v. 10), armamento (vv. 11,14-17), e uma linha de comunicação com o nosso Salvador, para pedidos de ajuda (vv. 18-20). Estes meios são externos a nós. Sem eles, nós temos uma força inadequada para se posicionar contra os principados, potestades, os dominadores deste mundo tenebroso, e contra aos forças espirituais do mal. Se formos deixado por nossa própria conta, nós rapidamente somos desintegrados no calor da batalha. Nós somos, simplesmente, deficientes para esta tarefa. Contudo, Deus ama o Seu povo e nunca nos deixa indefesos.

Ao longo do restante desta seção do texto, Paulo nos chama a “revesti-vos de toda a armadura de Deus”, e descreve cada parte da armadura (vv.11-17; cf. Romanos 13:12; 2 Coríntios 6:7; 10:4-5; 1 Tessalonicenses 5:8). Como Cristãos, nós precisamos de toda a armatura, porque o nosso inimigo é um adversário implacável. Se Satanás e os seus capangas não conseguem nos ferir em um lugar, eles irão mirar em outro: se não for a cabeça, então será o coração; se não for a consciência, então será as emoções. Como Satanás e seu bando nos ataca por uma variedade de maneiras, Deus nos provê uma variedade de defesas suficientes para resistirmos a qualquer ataque que eles possam desferir contra nós. Cada parte da armadura é uma outra maneira de se revestir de Cristo (Romanos 13:12,14). William Gurnall disse, “O que é esta armadura? Por armadura, se quer dizer Cristo. Até ser revestido de Cristo, a criatura está desarmada”.

O apóstolo também nos exorta para “ficarmos firmes” (vv. 11,13,14). O Cristão é um homem de guerra, e como um bom soldado do Senhor Jesus Cristo, ele deve manter a sua posição espiritual através de toda a vida. O termo “ficar firme” significa “manter a posição continuamente”. Ele sugere um soldado firme e estável, enquanto está sob ataque feroz.         Deste modo, Paulo está nos chamando a colocar a plena armadura de Deus, para que o Diabo não conquiste um centímetro sequer em nossas vidas, ou nos conduza para fora do caminho. Em resumo, devemos nos apegar ao firme fundamento de que Jesus já ganhou-nos, em nossas vidas. Está claro, portanto, a partir da linguagem paulina, que a vida Cristã não se destina a ser uma derrota na qual o Diabo está constantemente nos conduzindo em seu curso. Apesar de podermos perder, algumas vezes, algumas batalhas para Satanás, o crente é, no final das contas, o vencedor, porque  Aquele que está nele é maior do que aquele está no mundo (1 João 4:4).


Por fim, Paulo nos exorta para orarmos (v. 18). A oração não é uma peça adicional da armadura, mas é o meio pelo qual cada peça é efetivamente empregada. Não há dúvida de que Paulo menciona a oração por último, por uma questão de ênfase. A passagem que começa com “sede fortalecidos no Senhor” (v. 10), termina com orando “com toda perseverança e súplica” (v. 18). A oração é o componente essencial da nossa batalha, que reforça cada parte da nossa armadura. A armadura de Deus não consiste de peças literais que precisamos vestir; ao invés disso, ela consiste de verdades espirituais, que o Cristão se apropria através da oração. Os Cristãos precisam vestir diariamente cada pedado da armadura, com oração, invocando o nosso Comandante supremo para novos suprimentos de graça, e ajuda para o combate.

45/57 - A DOUTRINA DA ELEIÇÃO — A PERSEVERANÇA DOS SANTOS
No contexto do Antigo Testamento, nenhuma promessa de Deus é mais surpreendente do que aquela registrada em Jeremias 32:40: “... não deixarei de lhes fazer o bem... nunca se apartem de mim”. Como resumido nos Salmos 78 e 106, a história de Israel revela que eles se afastaram do Deus vivo, desviando-se para os ídolos e caindo em grave pecado, e então Ele se afastou deles em Sua ira, até que eles se arrependessem e clamassem a Ele, em sua miséria.
Jeremias deve ter se alegrado em ouvir acerca de um dia em que este ciclo sem fim de infidelidade humana e castigo divino iria dar lugar a um relacionamento diferente entre Deus e o Seu povo, na forma de uma nova e eterna aliança. A lei, esculpida em tábuas de pedra, seria escrita na próprio coração de cada uma das pessoas do seu povo, e todos iriam conhecer o Senhor e ser perdoados, restaurados, e renovados por Sua graça. Deus iria, então, continuar a perseverar com o Seu povo, e o Seu povo com Ele.

Esta promessa incorpora a doutrina da perseverança dos santos. Mas quem são os santos? Por que eles continuam, ou perseveram, como santos? Em que coisas eles perseveram?
É muito importante definir o que significa “santos”. Na igreja pré-Reforma (e na Igreja Católica Romana, nos dias de hoje), um santo foi definido como “alguém cuja santidade de vida e virtude heroica foi confirmado e reconhecido pelo processo oficial de beatificação e canonização da igreja” (Dicionário Católico). Embora falecidos, eles são lembrados, venerados, e invocados em cultos públicos e em devocionais privados, como se pudessem ouvir e responder a orações.
Nesta visão, os santos foram excepcionais, em meio a membresia da igreja. Eles foram melhores do que precisavam ser, e fizeram mais do que o dever requeria, portanto eles adquiriram um estoque de mérito, de tal forma que poderiam usar este mérito excedente para ajudar os Cristãos menos santos ou menos virtuosos. Portanto, a estes santos são concedidos dias festivos e santuários, que preenchem um lugar substancial na devoção por parte daqueles que os envocam.

Nada pode ser mais contrário à ideia de santidade. De forma bem simples, todos os Cristão são santos. Eles foram santificados, ou separados à parte por Deus, como o Seu povo. A santidade Bíblica não depende do que nós fazemos, mas depende do que Deus faz em nós, através da Sua Palavra e do Seu Santo Espírito.

Deus Pai fez uma aliança eterna de graça conosco, e nos adotou como Seus filhos e herdeiros. Deus Filho nos purificou em Seu sangue, de todos os nossos pecados, e nos incorporou em Sua morte e ressurreição. Deus, Espírito Santo, habita em nós, nos santifica para sermos membros de Cristo, e aplica a nós o que temos em Cristo, a saber, o lavar dos nossos pecados e a renovação diária das nossas vidas. Tal é a porção para todos aqueles que pertencem a Cristo, e se juntam a Ele por meio de uma fé verdadeira.

Como tais, todos os crentes são “guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação” (1 Pedro 1:5). Deus persevera conosco, e, portanto, nós perseveramos com Ele. A soberania de Deus significa que o que Ele faz, continua feito. Nós estamos salvos em Suas mãos, debaixo da Sua proteção, invocando-o, e repousando em Seu amor.


Em que nós perseveramos? Nós perseveramos em fé, crendo em Deus, confiando em Sua Palavra, e aguardando em Suas promessas; no arrependimento dos pecados; na negação de si mesmos e seguindo a Cristo, lutando por santidade de vida; e buscando conhecer a vontade de Deus e fazer aquilo que O agrada. Tais são os frutos que acompanham a fé justificadora. É um sinal perturbador quando estes frutos estão faltando em um Cristão professo. Cristo adverte sobre a fé temporária (Mateus 13:18-22); Paulo denuncia aqueles que “tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder” (2 Timóteo 3:5); e Tiago declara que “a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tiago 2:17). Portanto, Paulo nos exorta: “examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos” (2 Coríntios 13:5).